Antes de mais, e de modo a garantir que me começam a insultar, devo dizer que sou contra as proporções atingidas pela acusação de bullying que é feita ao jovem concorrente que participou no Ídolos.
Quanto a mim, muito sinceramente, não há razão suficiente que justifique ter-se chegado a este ponto. Por vários motivos, mas começo por aqui: não são as mesmas pessoas que, conscientes daquilo que transmite o programa, lhe dão audiência e a seguir se exultam, com fervor quase revolucionário, contra uma situação que ajudam a veicular? Desengane-se quem pensa que este concurso é uma coisa, quando na verdade não o é. Porque o Ídolos não é um programa de música que faz bullying. O Ídolos é um programa de bullying que supostamente tem música (algures, lá pelo meio).
Chamo a atenção para a constituição do júri, cujos elementos são alvo de críticas por parte de quem não reconhece que o objetivo, puro e duro, é apenas chegar às massas. Reparem que, num concurso que avalia prestações musicais, a SIC, para garantir a eficácia do procedimento, tem como júri Liliane Marise. Ora, eu quero apresentar as minhas desculpas pois realmente existe exorbitante credibilidade nesta escolha, só que eu, como tenho miopia, não a vejo. Mas julgo compreendê-la: o júri não detém formação musical porque a maior parte dos espetadores também não a possui. Assim, este género de concurso nunca poderá incidir verdadeiramente na música. A linguagem usada é facilmente reconhecível pois a audiência vê televisão à espera de entretenimento. Sim, quer descontrair, relaxar, libertar o corpo de tensões. Quer rir-se, e o ser humano ri-se quase sempre porque se sente superior em relação a algo. Questiono-me: é mais divertido ver três indivíduos a contestar ressonância, timbre e vibrato ou outros três que escarnecem e fazem gracejos? As audiências seriam as mesmas? Com Liliane Marise aprendemos que o requisito mínimo que atribui apetência ao júri é especialmente erudito: é necessário que seja portador de um vocabulário que inclua as palavras «atitude», «entrega» e «postura» – depois basta repeti-las, trocando amiúde a sua ordem.
Está claro que não são, evidentemente, os ‘cromos’ que cantam mal que fazem má figura. São as pessoas que o sabem fazer que se armam em parvas e que não deixam uma pessoa rir sossegada. Somos constantemente forçados a interromper gargalhadas e formidáveis sentimentos de vergonha alheia por gente como esta, que canta, e tal, e só está lá para atazanar. Está na hora de dizer: «basta»! Proponho um movimento nas redes sociais contra este flagelo.
Mais: a sociedade, ao inflamar-se desta maneira, parece ter tomado providências a fim de assegurar que não sobrava ninguém que não tivesse visto a audição do jovem rapaz. Assim, não se estará a ridicularizar ainda mais o miúdo? Não se estará a validar a ideia de que as suas orelhas são realmente motivo de troça? É como quem diz: «isto foi longe de mais, o rapaz já foi castigado que chegue à nascença.» É até estranho que se reaja negativamente a zonas do corpo protuberantes: por norma quem possui enormes seios não sofre de bullying, é lisonjeado. Mas se não está certo cometer abusos quando se detêm os direitos de imagem de alguém, também não é correto que as pessoas, voluntariamente, se submetam a este tipo de circunstância sem garantirem um qualquer mecanismo de prevenção que os impeça. Tenho para mim que bullying é uma ação hostil sobre alguém indefeso. Afinal, é também oprimir pessoas que assinam documentos que o consentem. Um debate como este é delicado, mas não há dúvida que bombeia atitude, entrega e postura.
Imagem: sodesporto.pt
Ricardo Marques (colaborador)