Livro do Dia: “Incognito” de David Eagleman

Se a mente consciente é apenas uma ínfima parte da atividade cerebral do Homem, o que anda o resto a fazer? Esta é a questão lançada pelo neurocientista e escritor norte-americano, David Eagleman em Incógnito: a vida secreta do cérebro. O livro baseia-se na exploração dos pensamentos de um neurocientista, mas não debate questões filosóficas do conflito entre cérebro e mente. Ao longo das suas páginas, o leitor irá aprender sobre a forma como a neurociência está a alterar o método de observação do mundo real.

Em “Incógnito”, David Eagleman apresenta um conjunto de ideias relevantes. Contudo, algumas podem contribuir para a distorção do método científico: o autor utiliza alguns dos truques mais básicos de escrita para fazer com que o livro apele ao leigo, como hipérboles e metáforas mundanas – que danificam a sua credibilidade. Apresenta diversos factos e curiosidades sobre o cérebro, mas raramente os desconstrói e os racionaliza. A estratégia funcionou, mas não sem danificar a relevância científica da obra.

Nas últimas décadas, tem-se assistido ao desenvolvimento acentuado da neurociência. O autor acredita que ela irá fornecer respostas valiosas. Acima de tudo, é um ramo de conhecimento que serve para fazer perceber que a consciência humana não é o centro da mente, mas sim uma rede dinâmica e com várias tarefas. O problema é que muitos dos processos mentais do Homem ainda lhe passam despercebidos. “Incógnito” é competente em explicar de forma básica todos esses fenómenos.

Daniel Gonçalves

Mais informação:

Crítica do jornal “The Guardian”

Excerto da palestra dada pelo escritor, em 2011:

Adaptações: quando a literatura inspira a música

Num artigo anterior, abordou-se a importância da literatura na produção das narrativas cinemáticas. Parece que nada escapa às rédeas da literatura. O heavy metal – um género muitas vezes negligenciado pela cultura popular- também utiliza a literatura como motor de criação lírica.

Um dos exemplos mais recentes pode residir em “AHAB”. Formados em 2004, a banda originada na Alemanha proclama-se Nautik Funeral Doom, um subgénero pouco convencional, caracterizado por uma sonoridade de batida lenta e prolongada.  A banda retirou o seu nome de uma das personagens de “Moby Dick” de Herman Mellville. Existe uma obsessão com o oceano e as suas histórias.

Apesar da excelência artística que apresentam, o tom irreverente das suas composições pode servir de impedimento à sua popularidade. Mas isso não os detém. Em 2015, a banda decidiu criar um álbum conceptual – onde cada faixa se interliga a nível lírico com a próxima. O resultado é uma viagem sonora inconfundível.

The Boats of The Glen Carrig baseia-se num romance de fantasia marítima de 1907, e conta a história de um grupo de marinheiros que vêm o seu barco encalhado numa ilha misteriosa. As letras de cada música retiram os excertos mais marcantes de cada capítulo, para dar música à história.

(It’s been) seven years she’d been imprisoned
Seven years beset with dread
Seven years white death envisioned
Seven years of doubt well-fed

The desolation of the weed continent
And the cemetary of seas
Her volition turned all somnolent
Longing for an ease

There stood Mary Madison
Firmly the ladle she gripped
And out of some old bucket
Good ol’ rum she dipped

Howbeit we won the day
The captain’s wife was lost
Mary wallows in dismay
Pities (her demise) with disgust

So brace yourselves, ye seamen brave
Behold a bright light burning
Whenever be the seas so grave –
For man and maid the tide is turninv

Com este álbum, a banda AHAB faz questionar a natureza da arte. Todos os tipos de arte aparentam tornar-se uma única expressão: a infinita capacidade criativa do Homem.

Daniel Gonçalves

Imagem: https://i.ytimg.com/vi/hQ33uBqSweg/maxresdefault.jpg

Adaptações: Quando a palavra se transforma em imagem

Adaptar um livro ao grande-ecrã é um fenómeno antigo. Desde o inicio da sua história que o cinema mantém uma relação simbiótica com a literatura.

Em 1899, os lendários Irmãos Grimm passavam das palavras na página para as imagens na tela. Mais de um século depois, 6 dos 10 melhores filmes da lista do sítio online do IMDB são baseados em livros: histórias icónicas como “O Padrinho”, ou “Os Condenados de Shawshank” originaram produções vencedoras de óscares.

Nos últimos anos, quatro a sete filmes nomeados para a estatueta dourada baseiam-se em narrativas literárias. Só em 2016, nove fizeram parte da lista deste ano: filmes como “The Martian”, “The Big Short”, “Brooklyn”, “Carol” e “Room” receberam a menção da Academia.

São várias as razões que explicam estes factos. Segundo o Daily Mail, as adaptações de filmes ajudam a aumentar a venda de livros entre adolescentes.  O franchise “Os Jogos da Fome” fez as vendas de livros subirem 11 pontos percentuais no Reino Unido.  Por outro lado, alguns autores de romances, atraídos por um mercado lucrativo, apostam numa construção narrativa que seja fácil de transformar em filme.

Quando é bem realizada, a relação entre a literatura e o cinema pode ser muito lucrativa. Como relata o “The Nielsen Company”, as vendas do livro “Comer, Orar, Amar” aumentaram de forma significativa meses antes do lançamento da respetiva adaptação: 94 000 unidades vendidas numa semana, quase o mesmo valor que o ano inteiro após a publicação original.

Já Catherine Raynes, chefe de merchandise da Paper Plus – uma editora Neozelandesa – revela ao site Booksellersnz que “as livrarias podem perfeitamente tomar partido das adaptações para aumentar as vendas”. Para Catherine, tudo se deve à curiosidade do espetador: “Eu penso que isso origina do interesse nas pessoas. Querem perceber de onde vem a história do filme que foram ver ao cinema,” diz.

Nem sempre dá certo. Como qualquer outro filme de argumento original, existem adaptações que não geram lucro, e são mal recebidas pela crítica. O cheatsheet.com faz uma lista com algumas das experiências falhadas.

Apesar de tudo, livros e filmes permanecem meios distintos de fazer um ato universal: contar histórias.

Daniel Gonçalves

Imagem:http://dostoevsky-bts.com/blog/tag/modern-adaptations-from-classic-literature/

Livro do Dia: “A Ilha” de Aldous Huxley

Após editar “Admirável Mundo Novo”, em 1932, Aldous Huxley tornou-se parte do imaginário da literatura de ficção científica. Ao ler a sua prosa, o leitor percebe que  existe algo que o distingue dos seus contemporâneos. É que o espólio literário de Huxley vai para além do entretenimento. No centro da sua filosofia está o apelo ao intelecto.

Em “Admirável Mundo Novo”, Huxley cunha uma visão pessimista do futuro. Já em“A ilha” verifica-se o efeito contrário. O universo daquele que viria a ser o seu último romance conta a história de um povo que habita em Pala – uma pequena porção de terra situada no coração de um grande oceano. A personagem principal é Will Farnaby, um jornalista inglês, enviado para a ilha com a missão de desvendar os segredos da sociedade que ali habita. Farnaby dá por si num local onde todos o habitantes da sociedade vivem em harmonia; numa terra onde a luta pelo sucesso individual e o culto da personalidade são conceitos desconhecidos.

Aldous Huxley morreu pouco tempo depois de ter publicado o livro. Escreveu-o para elucidar o povo ocidental acerca das religiões orientais como o Budismo e o Hinduísmo. Acima de tudo, “A Ilha” é um alerta para a perversidade da guerra e do sistema capitalista vigente nas sociedades ocidentais.

Daniel Gonçalves

Autor da Semana: Oliver Sacks

Faleceu em agosto do ano passado, mas deixa na Terra uma longa e ilustre carreira como neurologista e escritor. Nasceu em Londres, em 1933, e ao longo da vida editou mais de uma dezena de livros. No papel, tentava capturar as mais diversas histórias.  A maioria relaciona-se com relatos dos estudos de caso dos seus pacientes.

“Awakenings” – ou “Tempo de Despertar” na tradução portuguesa – é considerado por vários críticos como a história mais pertinente de Oliver Sacks. Escrita em 1973, e adaptada ao grande ecrã 17 anos mais tarde, narra um caso marcante na vida profissional do neurologista, quando um grupo de pacientes de um hospital psiquiátrico adquirem estados de catatonia , sem causa aparente. Nos anos que se seguem, o filme torna  Oliver Sacks um nome popular na literatura científica.

Já “The Island of the Colorblind” é uma publicação mais recente. Editado em 1997, serve de continuação à longa carreira do britânico. No livro, o neurologista relata as peripécias da sua viagem até ao arquipélago da Micronésia, no coração do Oceano Pacífico. Nestas pequenas ilhas, existem doenças  hereditárias que, devido ao isolamento dos locais, persistem durante várias gerações.

Em algumas destas sociedades do Pacífico, o daltonismo é uma característica dominante. Para além disso, uma condição semelhante à doença de Parkinson afeta 48% dos habitantes de uma das ilhas. Dois casos intrigantes que Oliver Sacks descreve de forma ponderada e meticulosa, pelo que o livro  é mais do que uma análise científica destes síndromes. Acima de tudo, trata-se de uma exploração profunda e deliberada dos recursos literários do autor, capaz de transformar a realidade em ficção, com descrições metafóricas da natureza que envolve as ilhas, e dos seres humanos que nela habitam.

Assista a uma palestra dada ao Ted em 2009 sobre o seu livro “Hallucinations”

 

Daniel Gonçalves

Alfarrabistas: O Admirável Mundo Velho

Chamam-lhes alfarrabistas. Dedicam-se à comercialização do livro usado. Na cidade do Porto, existem dezenas destes vendedores. Em tempos, eram muito procurados, mas o aumento da popularidade do livro eletrónico tornou a continuidade do negócio uma incógnita.


Luís Moutinho é proprietário da Livraria do Candelabro desde 2005. Situada no centro do Porto, chega a receber em média três clientes por dia. O movimento já foi bem maior. Ainda assim, aquilo que vende ainda lhe permite obter algum lucro.

Do interior da loja, o cheiro a papel antigo impera. O ambiente rústico e delicado convida ao respeito pela literatura. É aqui que Luís se sente em casa. Licenciou-se em Economia, mas o amor pelo livro esteve sempre presente. Quando surgiu a oportunidade de adquirir a livraria, não hesitou. Há uma década, comprou o espaço à família do senhor Barros – o proprietário original – que o inaugurou em 1952.

Hoje, Luís percebe o impacto que a crise económica nacional teve no negócio. É que a diminuição do poder de compra também impactou a venda dos livros usados.  A si, e aos seus colegas de profissão, restam-lhes o lucrativo negócio das “raridades”. “Repare, a crise afetou a classe média, que procura mais os livros correntes, muito baratos,” diz. “A classe alta continuou a interessar-se pelo mais caro.” No ano passado, Luís vendeu um exemplar da primeira edição da Mensagem de Fernando Pessoa por 2000 euros. É algo que de que se orgulha.

Mas nem tudo lhe agrada. Luís é do tempo em que as livrarias mantinham os mesmos empregados durante vários anos. O que já não acontece. O cliente não conhece o vendedor, e o vendedor não conhece o cliente. “Ainda hoje em dia se fala de antigos empregados, um senhor chamado Fernando Fernandes, que trabalhou na livraria Leitura durante décadas. Já está reformado há muitos anos e as pessoas ainda falam dele,” relembra o alfarrabista.

Adaptação

São vários os fatores que levam os alfarrabistas à necessidade de se adaptarem aos tempos. O rápido avanço tecnológico da sociedade é o fator determinante. Há quem peça uma mudança de paradigma. E Teresa Soares acredita ter a solução. Coproprietária do alfarrabista José Gomes Soares, divide o trabalho com a irmã, e o pai. Situada na Avenida dos Aliados, no Porto, a loja mantém-se no mesmo há quase 50 anos. No ano de 2008, decidiram mudar a forma de comercializar o seu produto. Criaram um website o alfarrabista.eu. Com ele, a forma de trabalhar alterou-se, e passaram a apostar nas encomendas à distância. Ter os livros catalogados online ajudou a organizar tudo de forma mais eficiente. “Agora temos mais noção daquilo que temos e onde se encontra cada produto,” conta a comerciante.

Já Luís Moutinho não partilha da mesma opinião. Criou o seu website em 2011 e ainda não notou grandes diferenças. A internet proporciona-lhe mais visibilidade mediática. “Ao nível do volume de vendas, a mudança foi pouco significativa.”

No Futuro

Quem pode ajudar a perceber melhor o estado do negócio dos alfarrabistas no Século XXI é Amélia Coelho. Após quase três décadas no comércio de livros, Amélia, 52, decidiu comprar a sua própria loja. Há seis anos,  abriu o “Paraíso do Livro”, no centro do Porto. Sobre o futuro da profissão, partilha de uma visão mais pessimista. Se tivesse netos, não os imaginava a continuar o negócio.

A indústria editorial portuguesa tem vindo a acumular quebras na ordem dos 20% nas vendas, desde o ano de 2008. Segundo o estudo “Sectores Portugal e Indústria Editorial”, publicado pela Informa D&B, só no ano de 2014, o sector recuou 3,2 pontos percentuais. A isto junta-se a falência do setor da distribuição livreira.

Num artigo do Público de 31 de dezembro de 2012, lê-se que o desperecimento de muitos destas empresas levou as editoras a criar a sua própria logística de distribuição. Estratégias autónomas que fizeram com que as empresas registassem prejuízos na ordem dos 100 mil euros.

A difícil situação económica das editoras portuguesas não afeta apenas os funcionários ou os revendedores de livros como Luís, Teresa ou Amélia. Os escritores também sofrem. Como por exemplo, Valter Hugo Mãe, que em 2012, expressou o seu descontentamento na página oficial do Facebook pela forma como o grupo Santillana – empresa que lhe edita os livros em Portugal – resolveu o problema da falência da distribuidora CESodilivros.

O desinteresse pela compra e venda de livros aumenta se a população mais jovem começa a preferir outras formas de entretenimento. Assim pensa Luís Moutinho: “O público jovem já não compra livros e está a fugir à literatura.”  Mas Teresa Soares discorda: “Ainda recebemos muitos pais com dificuldades em conseguir adquirir todos os livros que os filhos lhes pedem”.

União e Comunidade

A comunidade de alfarrabistas do Porto é diminuta, mas existe um forte sentido de união. Luís Moutinho mantêm boas relações com a concorrência. “Quando não tenho um livro específico, não tenho problemas em encaminhar o cliente para outra loja que o tenha.” É com entusiasmo que vê a criação de uma associação de alfarrabistas Portuenses.

Entre os alfarrabistas portuenses existe um fascínio pelos autores do passado. Amélia adora Vergílio Ferreira. Já Luís e Teresa veneram Eça de Queiroz muito por causa da qualidade intemporal das narrativas. O gosto pelos clássicos leva-os a ignorar muito dos autores mais contemporâneos. Para Amélia, muito do que hoje se escreve dificilmente se tornará clássico. “Existe uma saturação de conteúdo no mercado livreiro. Se calhar é isto que nos está a arruinar. Há muita parra e pouca uva,” diz.

Apesar das dificuldades e dos sucessos da profissão de alfarrabista, existe consenso entre Luís, Teresa e Amélia: o amor incondicional pela literatura.

Daniel Gonçalves

Os alfarrabistas das Flores

Os livros. Objeto de ódios e de paixões. Dos mais antigos aos mais recentes. De romances a especializados. São alvo de adoração como de total desapego. Porém, no final, a escolha é sempre do leitor.

Recentemente transformada numa rua pedonal, a Rua das Flores acolhe diversos tipos de comércio. Desde restaurantes a perfumarias, a rua destaca-se pela sua diversidade. Ao percorrer a longa rua deparamo-nos com diferentes lojas, tanto de um lado como noutro. Porém, e apesar da variedade, há algo que se destaca na Rua. Mesmo no meio do percurso encontramos duas lojas pouco convencionais, duas livrarias alfarrabistas.

Para os amantes de livros antigos, estes estabelecimentos têm muito para oferecer. Desde antiguidades a livros sobre cinema ou teatro, aqui podem encontrar de tudo um pouco.

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Livraria João Soares Alfarrabista

Um alfarrabista é um estabelecimento que compra e vende livros usados. Costuma ter, em sua posse, livros antigos com edições limitadas. Na Rua das Flores, o primeiro alfarrabista tem de nome Livraria João Soares Alfarrabista e o segundo Livraria Chaminé da Mota.

Fundada em dezembro de 1997, a Livraria João Soares dá-nos o privilégio de termos contacto com obras tão valiosas que, em alguns casos, atravessam gerações.   Como o seu foco são os livros podemos encontrar diversos géneros literários. Poesia, romances, históricos ou bandas desenhadas, a escolha é sempre do freguês. Apesar de, à primeira vista, parecer um amontoado de livros, as secções estão devidamente identificadas o que faz com que a procura pelo que necessita torna-se fácil. Política, Cinema, Música ou Direito são algumas das secções que pode encontrar nesta livraria. O espaço pode ser razoavelmente pequeno porém o seu conteúdo é enorme.

Entrada da Livraria Chaminé da Mota
Entrada da Livraria Chaminé da Mota

Na porta ao lado, ao entrarmos na Livraria Chaminé da Mota, o sentimento que nos atinge é o de termos entrado num mundo paralelo. A música clássica paira no ar e os olhos focam-se nas mil e umas coisas que tem para desvendar. Olhamos para um lado e para o outro, ao mesmo tempo em que não sabemos para onde olhar. São às centenas. Livros e livros espalhados pelas numerosas estantes. Todos catalogados e divididos pelas diferentes secções. Estão devidamente identificados. Ali ninguém se perde, a não ser no olhar.

À par desta infinidade de livros, a Livraria tem exposta uma coleção. Nela podemos encontrar desde máquinas de escrever antigas, a posteres e bustos de escritores. Podemos, também, encontrar um exemplar do modelo igual à máquina de filmar que filmou o assassinato do presidente JFK. A paixão pelo antigo é transformada numa coleção que vale a pena conhecer.

Os Alfarrabistas da Rua das Flores mostram que do velho pode-se fazer novo. Tudo depende do amor que depositamos.

Sara Calafatinho

“A Sétima Porta”

Há setenta anos atrás, por volta deste mês, os Aliados começavam a dar como garantida a vitória sobre os países do Eixo. Para a comemoração desta data é recomendado a leitura do livro “A Sétima Porta” de Richard Zimler.

Um romance baseado nos manuscritos de Berequias Zarco que afirma que em cada porta entramos num céu diferente. Quem entrar na última porta, a sétima, conseguirá ver o futuro e pedir a Deus que o altere, se necessário. Como a narrativa inicia-se na Alemanha antes da subida ao poder de Hitler, ficamos com a perceção, ao longo do livro, de como é que a Alemanha mudou no decorrer dos anos de domínio nazi. Tem como personagem principal Sophie ou Sophele que no início é retratada como sendo uma adolescente alemã filha de pai comunista, mãe russa e irmã de um rapaz incapaz de comunicar. Conhece um senhor judeu, Isaac Zarco, possuidor dos manuscritos, que torna-se o seu fiel amigo, tal como Vera, uma mulher com uma doença rara, entre outras pessoas que nada têm a ver com o ideal ariano. O que este livro tem de especial é que não retrata somente as atrocidades cometidas para com os judeus mas para com todas as outras pessoas que não se enquadravam nas características arianas como os deficientes, os homossexuais, os anões e todos os que sofressem de alguma anomalia física ou mental.

Após setenta anos as pessoas ainda se recordam do holocausto, e de tudo o que daí resultou, porém esquecem-se que não foram só os judeus que sofreram nas mãos do Terceiro Reich. Milhares de deficientes, homossexuais, anões e pessoas com alguma desordem do foro físico ou psicológico foram mortas devido à sua condição física. E é neste ponto que Zimler ganha pontos. Mostra o outro lado da moeda que muitas vezes é esquecido ou que nem sequer é sabido.

Sete são as portas, setenta são os anos que se passaram desde a queda do Eixo.

Sara Calafatinho Freitas.