Incompreensão ou confusão e distorção gramatical

INCOMPREENSÃO OU CONFUSÃO

Uma das razões pelas quais nos rimos é, como já vimos, porque nos sentimos superiores. E, para proporcionar tal sentimento, nada como estar perante uma personagem que, digamos, é burra ou sofre de alguma maleita (ser coxo, por exemplo). Rimo-nos porque nos sentimos num patamar superior em relação a essas pobres almas. Também acontece quando o alvo do riso anda «à nora», confuso ou perdido, é ingénuo ou pura e simplesmente não tem noções corretas sobre a realidade. Na técnica da incompreensão ou confusão, um personagem diz ou realiza algo que causa complicações a si próprio ou àqueles que o rodeiam – por não ter a elasticidade mental que o permita ajuizar as situações e suas consequências. Homer Simpson é um óbvio exemplo deste género de personagem:

DISTORÇÃO GRAMATICAL

Trata-se de fazer piadas recorrendo à linguagem. Joga-se com a multiplicidades de sentido que as palavras têm, como clássico «Queria um café», «Ai queria, já não quer?». Isto é uma piada de distorção gramatical, mas o seu nome técnico é, na verdade, «estupidez». Saber brincar com o sentido das frases e das palavras requer um bom uso e compreensão da linguística.

Ricardo Marques

Ironia e Choque

IRONIA

Ironia é uma derivação do sarcasmo que funciona de um modo muito simples: dizer o contrário daquilo que se pretende. Convém dizê-lo de modo a que o público perceba que se trata de uma ironia, pois só assim tem piada. Ou seja, o público tem de compreender a existência de um subtexto, de uma ideia que não está expressa, mas tácita, nas entrelinhas. Se eu disser que gosto tanto de mergulhar na lama pois sinto que o lodo me expugna os pecados como a alguém que se confessa a um padre, há bastante probabilidade de se perceber que, na verdade, mais depressa comia só legumes ao jantar do que me atirava para uma piscina badalhoca. Eis outro exemplo:

CHOQUE

São vários os comediantes que atribuem o termo de «riso gasoso» ao som que as pessoas fazem quando se riem mesmo quando não querem, num misto de reprovação e rejúbilo. Até podem colocar a mão à frente da boca ou arregalar os olhos, em choque, mas desde que sejam acompanhados por uma gargalhada, o comediante conseguiu o seu objetivo. Esta técnica está essencialmente ligada ao chamado «humor negro». Aqui, é fundamental dominar o timing, uma vez que conjugar o choque e a polémica com o humor requer uma cera habilidade para evitar cair no gracejo «gratuito» ou mal medido. É importante, neste sentido, ter um conhecimento prévio do público-alvo de modo a que a piada choque da maneira que se pretende. Em Portugal, Rui Sinel de Cordes é o humorista mais popular a usar esta técnica:

Fonte das imagens: Comedy Central Stand-Up Twitter.

Ricardo Marques

Absurdo e Incongruência

ABSURDO

É o ridículo ou elevar uma situações até padrões que, não só desafiam, como ultrapassam os limites da lógica e da razão. Um exagero desmesurado que não conhece fronteiras e onde não se aplicam quaisquer leis. É uma espécie de libertação onde vale tudo. Costuma dizer-se que o céu é o limite, mas o absurdo consegue ir para além disso. Trata-se também de uma técnica extremamente visual, no sentido em que funciona bem através da imagem projetada ou idealizada. Family Guy é, por definição, uma série de comédia em desenho animado que vive de situações absurdas.

INCONGRUÊNCIA

É uma técnica recorrente, até porque parte de um dos conceitos mais básicos do humor: «não joga a bota com a perdigota». A incongruência encaixa elementos que geralmente não coexistem, junta universos distintos sem aparente relação alguma. Aqui, o objetivo é deturpar a realidade, colocando lado a lado personagens ou contextos que não é habitual vermos em simultâneo. Um exemplo paradigmático desta técnica é o sketch seguinte dos Monty Python, no qual filósofos decidem ir jogar à bola. Tudo parece estar a postos para um jogo de futebol normal, e os filósofos comportam-se de acordo com a sua postura habitual, todavia, os dois mundos são perfeitamente distintos:

Ricardo Marques

Inversão e contraste

Ainda que manifeste a sua quota parte de dificuldade (por ter o objetivo de provocar uma reação física – o riso – num interlocutor que pode estar diante de nós ou na outra ponta do mundo), existem meios que facilitam a escrita humorística. São as chamadas técnicas, que na verdade são fórmulas conhecidas e aplicáveis, e que ajudam a tornar o processo criativo mais fluido e eficaz. Além disso, conhecer as técnicas pode servir para solucionar uma situação de bloqueio ou de falta de ideias. Atentemos nelas.

INVERSÃO

A primeira técnica é então a inversão. Se, como já foi referido, a piada é uma surpresa, é natural que, no humor, o que tem graça é justamente quando acontece algo que não é expectável. Isto é, quando existe a inversão dos comportamentos normais associados a determinados papéis e intervenientes sociais. Um filho que repreende o progenitor, um ladrão que tenta roubar uma senhora idosa e acaba antes por ser ele a vítima, uma concorrente da Casa dos Segredos que ganha o Prémio Nobel da Literatura. O humor é isto mesmo: reconhecer e deturpar. É a história B que, no nosso cérebro, é o desvio à normalidade. Duas lógicas díspares que, por um instante repentino, são concomitantes. Um exemplo de inversão é o sketch seguinte do Melhor Do Que Falecer, no qual Jorge Jesus dá lições de linguagem a Ricardo Araújo Pereira, apesar de ser conhecido pelas suas gaffes:

CONTRASTE

O contraste é a coexistência de duas personagens que até podem, isoladamente, não ter interesse nenhum, mas que quando estão juntas têm graça. No entanto, ambas têm de simbolizar o pleno oposto uma da outra, pois o que desperta a piada é, em concreto, o emparelhamento de um par singular composto por duas unidades sem nada a ver entre si. O caso mais clássico é o do Bucha e Estica – que, apesar de apresentarem traços de comédia, apenas despertam o seu potencial humorístico quando colocados lado a lado.

Ricardo Marques

Humor: exagero e bathos

EXAGERO:

O exagero é uma das técnicas mais utilizadas. Trata-se de uma hipérbole aplicada à realidade, de pegar em algo extremamente vulgar e fazer disso a coisa mais extraordinária do mundo. É desfigurar proporções, alterar medidas, redimensionar o real. É importante que exista um prévio reconhecimento das situações, para se perceber que efetivamente houve um exagero. Seja este o de descrever uma pessoa alta dizendo que tem de se baixar para tocar no pico do Monte Everest, de fazer alguém tão gordo que quando mergulha numa piscina a água desaparece, ou o de fazer alguém tão rápido dizendo que demorou 5 minutos ao pé-coxinho entre Coimbra e Badajoz.

 Image and video hosting by TinyPic

BATHOS:

Também designado por anticlímax. É o contrário do exagero. Se o primeiro era uma hipérbole, este é um eufemismo. Trata-se de relativizar o grandioso, de tornar prosaico o erudito, de vulgarizar o raro, de reduzir o complexo à banalidade. Enfim, de não atribuir importância àquilo que, de facto, é meritório dela.  O sketch seguinte, da autoria dos Gato Fedorento, é na verdade um ótimo exemplo da aplicação constante do bathos, e também do exagero: um «matarruano» relativiza  ter caído numa armadilha para ursos e ser molestado sexualmente por três lenhadores e um urso (bathos), e só quando o filho lhe diz que foi para os escuteiros é que ele perde as estribeiras (exagero).

Ricardo Marques

 

A piada e as suas técnicas

Afinal, o que é uma piada? Bom, é tão simples quanto isto: uma surpresa. Contar uma piada a alguém é ludibriá-lo para que caia numa espécie muito própria de armadilha, de truque. É enganar alguém, levando-o a pensar que o nosso discurso se encaminha num determinado sentido, para, inesperadamente, virarmos o volante a certa altura e tomarmos outra rota. Trata-se, na prática, de um engodo que não é esperado pelo recetor, o qual, antes de saber, já está a alinhar na brincadeira.

Dizer que uma piada é uma questão de timing trata-se de um cliché demasiado gasto. O timing é a mestria em se passar da história A para a história B. Para que a piada funcione, o interlocutor tem que reconhecer previamente algo no nosso discurso (a história A, designada por «set up») para saber que aquilo que vem a seguir não tem sentido (a história B, chamada «punchline»). Ter a capacidade para passar de um enredo para o outro no momento certo é o que faz a diferença.

A comédia, ou o humor (tanto faz), resulta quanto mais específica e geral se apresenta. Ainda que pareça um contrassenso, a fórmula é bem clara: deve pegar-se nos pequenos detalhes que habitualmente escapam aos olhos de todos (específico) e ser reconhecível por um grande número de pessoas (geral) – o facto de a generalidade dos rapazes empregar numa rapariga atraente o termo «boa como o milho» revela estupidez, pois, na verdade, em cada mil jovens, só 14 é que gostam realmente de milho. A este tipo de humor chama-se humor de observação, sendo muitas vezes iniciado desta maneira: «Alguma vez repararam que…?». Por exemplo: alguma vez repararam que a esperança média de vida de uns auriculares dos chineses é equivalente à esperança média de vida do vinho no copo do Jorge Palma? Esta capacidade em escolher um bom ângulo (como o facto de uns auriculares baratos não serem de todo duráveis) é meio caminho andado quando se procura construir uma boa piada. O que não é somente aplicável no humor de observação, mas deve ser transposto para outros tipos, como o humor de atualidade – e aqui em especial porque, por vezes, uma notícia está tão esmiuçada que é difícil falar de algo novo.

Ricardo Marques

Imagem: Comedy Central Stand-Up

Introdução ao riso

Antes de mais, escrever comédia, por estranho que possa parecer, não é uma tarefa nada fácil. O próprio ato de escrever é, em sim, um processo laborioso, sendo que, muitas das vezes, há pessoas que preferem contar uma piada e receber dela uma gratificação imediata, do que dedicar horas do seu tempo à transcrição de um sketch ou de uma crónica que, na sua mente, fervilham e se afiguram soberbos, mas que na verdade não passam de uma ideia parva que tiveram durante a apanha da uva. Além disso, escrever comédia é particularmente injusto, pois nunca o poderemos fazer sem o objetivo de a mostrar a outras pessoas. Não resulta produzir um texto humorístico para em seguida o enfiar na gaveta, assim como rirmo-nos da própria piada não oferece o mesmo “sabor” (e se oferece deveremos consultar um médico).

Árdua é também a aventura de escrever comédia, pois esta tem como finalidade provocar o riso no interlocutor. O humor pode ter outras funções, como alertar ou criticar, mas não restam dúvidas quanto ao seu papel principal: fazer rir. E o que é, então, o riso?

Ora, há um lado do nosso riso que será eternamente indissociável ao imediatismo e irreflexão da nossa infância. Rimo-nos com gosto é rimo-nos como se fossemos miúdos travessos, nada ralados com as manchas de lama que nos cobrem a roupa – e isto é válido independentemente do motivo, quer seja uma piada sofisticada de Ricardo Araújo Pereira, ou um arroto selvagem de outra pessoa qualquer. Mais ou menos apurado, o riso sincero é aquele que faz cócegas irrefletidas no nosso cérebro, aquele que dá ideia de o bloquear na tentativa de encontrar uma lógica perdida. Rimo-nos porque oferecemos um repasto incrível aos nossos neurónios, que ficam com uma mão cheia de realidades paralelas e, sabe Deus como, são capazes de descortinar uma ligação inesperada entre elementos que pareciam condenados a viver em universos diferentes (ou até incompatíveis).

1507-1
Uma sugestão de bibliografia é o livro da Susana Romana, guionista nas Produções Fictícias, Canal Q, Inimigo Público, e formadora de humor.

A um nível biológico, o riso pode ser explicado como um mecanismo de defesa, o levantar de um número indeterminado de barreiras mentais que nos conferem a sensação de proteção – não sobre um crocodilo furibundo a abrir a boca, mas sobre uma situação. O escritor e humorista norte-americano, Mark Twain, definia o humor como “tragédia mais tempo”, e, com efeito, nós rimo-nos perante o trágico. Ocasiões deste género acontecem (seja um amigo nosso que tropeça e se esbardalha redondo no chão, ou um terrorista desvairado que provoca um atentado) e, demorando mais, ou menos, haverá seguramente uma altura em que servirão de motivo para nos rirmos. Além disso, chegamos a rir-nos em funerais, quais bestas demoníacas desprovidas de bom senso. E porquê? Porque, para nós, enquanto rimos de situações tristes ou complicadas, ou sobre as quais não temos controlo, demonstramos que elas não nos afetam. Sentimo-nos superiores, olhando de cima e, quem sabe, cuspindo com desprezo cá para baixo, por mais nojento que isso possa parecer. Rir, muitas vezes, é fintar o medo ou a insegurança. Mas é também ser apanhado de surpresa, um modo de mostrar que fomos assaltados pelo imprevisto e que estamos a lidar com isso. Além do mais, o riso é igualmente – bolas, que o riso é tanta coisa, detesto isto – um ato social, no sentido em que, além de rirmos com quem se ri das mesmas coisas que nós, preferimos rir-nos em conjunto do que se estivermos sozinhos (as gargalhadas enlatadas das sitcoms servem justamente para exercer em nós um efeito «pavloviano» que nos faça rir, igualmente).

No entanto, que razão existe para justificar o riso? É simples: rimo-nos porque estamos conscientes da nossa morte. Não é coincidência o facto de sermos os únicos seres animais que, além de saberem que a vida acabará um dia, são também dotados dessa capacidade extraordinária que é o riso, o sorriso ou a gargalhada. No fundo, rimo-nos porque sabemos que a morte nos espera, daí encarando tudo com uma certa relatividade inata, a qual, por vezes, nos é impercetível.

Ricardo Marques

Metro infernal, nova era shit party

Reparei que já era tarde demais para voltar atrás quando senti a asfixia desenvolver-se em torno do meu esófago a meio daquela viagem de metro, onde seguia esmagado pela quantidade anormal de população em trânsito – um número excessivo de matéria humana que se conservaria pouco recomendável mesmo se, na paragem seguinte, debandassem dois terços dos ocupantes. O meu físico apertava-se cada vez mais à medida que ia sendo comprimido por forças que me subjugavam com tantos newtons como aqueles que cientistas forenses atribuem a uma pisadela de elefante. Respirar depressa galgou caminho rumo ao topo das minhas prioridades, se bem que a hipótese de estar apenas a desperdiçar energia fosse considerável. Pelas minhas contas, à velocidade com que diminuía o espaço reclamado por mim naquele meio de transporte, restavam-me sensivelmente sete minutos no estado sólido. Isso significava que estava prestes a morrer, o que era especialmente trágico porque me tinha esquecido de tirar uma fotografia decente para a secção de óbitos do jornal. No dia seguinte, a fronha que embelezaria o meu artigo de necrologia seria certamente a mesma que ostentei na primeira comunhão, durante uma sessão fotográfica pouco abonatória, que me faria seguramente perder a final de um concurso de beleza para alguém acabado de sair de um atropelamento por camião. Pelo menos, foi o que disse a minha mãe.

A propósito, isso fez-me recordar as duas almas que me conceberam e toda a história do meu nascimento. Na altura, os meus pais, hesitantes em levar a gravidez avante devido a dificuldades económicas – nomeadamente um certo subsídio estatal de rendimento mínimo a que estaria a ser mais difícil pôr as mãos do que o previsto –, acabaram por decidir através do lançamento de uma moeda ao ar cancelar o aborto clandestino ao médico indiano não menos licito, doutor Ahkmed. Um método que até hoje me pareceu acertado, pois graças a Deus saiu «coroa». Como é conveniente a um bom filho, faço questão de não alimentar uma preferência especial por qualquer dos progenitores relativamente ao outro, muito embora saber que foi o meu pai quem escolheu «cara» ofereça indicações suficientes sobre aquele que menos mágoa me causaria ao ver seguir deportado para África num contentor. Não obstante, agora que os meus olhos se iriam fechar para sempre, senti que devia a ambos algumas últimas palavras.

– Ei, Roger, por favor leva um recado aos meus pais. – balbuciei aos gritos.

– O Roger está morto há dez minutos, abécula! – fui incapaz de identificar de onde vinha a resposta.

– Scooter, és tu, imbecil?

– Sou. Do nosso grupo acho que já só cinco é que continuam a inalar oxigénio aqui dentro.

– Diz aos meus pais que nunca os amei e que enfiem a moeda de vinte cêntimos no mesmo sítio por onde evacuam.

– Devias ir a um psicanalista, mas como queiras, amigo – a voz dele adotou um tom mais abafado, mas permanecia audível. – Uma condição, só!

– O que é? Diz depressa – pressenti que os meus últimos segundos no mundo consciente estavam finalmente a esgotar-se.

– Legas-me a tua Playstation 4? – o seu descaramento irritou-me.

– Querias tu, jumento. Só por cima do meu cadáver!

– Caso não tenhas reparado, meu grande idiota, é precisamente essa a ideia!

Sentia-me cada vez mais ofegante, desesperado por todas as moléculas do oitavo elemento da tabela periódica que os meus pulmões conseguissem reivindicar naquele lugar bafiento. Estava tão sedento de atmosfera que, com os nervos, respirei por engano algum do enxofre proveniente das axilas do tipo com cara de porco-espinho que tinha à minha frente, e cuja compleição semelhante à de um lutador de sumo contribuía generosamente para me esborrachar os órgãos em leite creme. Pela maneira como transpirava, deduzi que o tipo poderia perfeitamente servir de fonte de energia a uma barragem, se assim o quisesse, e esse foi o último pensamento que me atravessou a cabeça, antes da minha visão se desfocar e tudo à volta começar a girar num redemoinho disforme. Aí desmaiei.

Sumo-fight-2
Fotografia que caiu da carteira do indivíduo que estava à minha frente. No verso pode ler-se: «Luta de namorados. Amo-te Fanny».

Só haveria de acordar meia hora depois, estendido na relva de um espaço verde qualquer, perto da estação de metro de Matosinhos.

– Até que enfim abriste os olhos, maluco. Chegámos a fazer apostas sobre o veredito do teu julgamento no Purgatório. – a expressão de Scooter denotava mais tristeza do que alegria pelo facto de eu continuar a bombear sangue.

– Quantos sobreviveram? – perguntei, soerguendo-me no chão, meio abananado.

– Tu, eu, o Chico e o Wallace. Quatro.

A contagem das baixas surpreendeu-me. Supostamente seríamos oito, mas aquela viagem reduzira-nos a metade, muito longe de chegarmos ao destino. Íamos para a Nova Era Beach Party, na praia, juntamente com toda a cambada que encheu o metro, se bem que eu já não metia as mãos no fogo por essa afirmação. De repente tive dúvidas se a peste negra não estaria de volta e o governo estaria a usar toda a linha de transportes públicos para evacuar o Grande Porto.

Diante de nós, esperava-nos ainda uma caminhada tão grande como a de Frodo Baggins para destruir um certo anel, pelo que não tardamos, os remanescentes, a fazermo-nos à estrada. Relativamente aos cadáveres, fiquei a saber pelo Scooter que o Roger fora o primeiro a tombar devido ao seu problema de asma, obviamente. Deixou cair a bomba de ar com a pressa, descuido que se revelou fatal dada a impossibilidade de conseguir mexer sequer os mindinhos das mãos lá dentro, quanto mais baixar-se a seguir para apanhá-la.

O Carl e a Rebecca, que haviam entrado connosco na mesma carruagem, foram os próximos. Eu sabia que uma anã não deveria arriscar a travessia e bem a avisei, mas ela não me deu ouvidos. A multidão amassou-a de tal forma que, quando deu por ela, tinha a cara enfiada no rabo do cliente do ano do McDonald’s dos Aliados, prémio que arrebatara pela segunda vez consecutiva, e morreu sufocada. A seguir, o Carl foi possuído pelo desgosto amoroso e jurou recusar-se eternamente a inspirar mais uma partícula gasosa que fosse num mundo onde a sua camomilazinha não apresentasse um sistema cardíaco funcional. Cumpriu a promessa e aguentou quase cinco minutos antes de quinar, como acontece a todos os bons homens de palavra. O Ned foi um caso mais sério. O combinado foi ele entrar noutra estação e a gente encontrar-se durante a viagem. Digamos que à sua beira alguém lidou mal com o facto de ir enchouriçado, e começou a conquistar espaço à dentada, iniciando ali mesmo, na extremidade oposta da composição, um surto violento de canibalismo do qual, segundo dizem os rumores, o Ned escapou ileso mas psicologicamente distante dos mínimos requeridos a um cidadão equilibrado. Tiveram de interná-lo, o que foi mais fácil do que se havia previsto, assim que chegou a terceira unidade do Exército. Eram os únicos com carta para guiar os tanques. 

Malta que saiu da carruagem com o Ned.
Malta que saiu da carruagem com o Ned.

A meio do trajeto, parámos numa esplanada. O Wallace e o Scooter vinham a carregar o Chico, que mal metera os pés em terra na estação de Matosinhos entrara em estado de choque ao reparar que as suas meias não casavam. Aproveitámos e bebemos ali um copo de água antes de prosseguirmos. Refeitos das atribulações anteriores, eu próprio fui ficando mais animado. Mas contente, mesmo, só depois de concordarmos todos que, embora eu tivesse deixado o telemóvel e as chaves de casa na esplanada sem os ter reavido quando voltei lá, a festa ia ser épica.

Chegados ao areal da praia, aguentamos na fila e éramos para nos sujeitar à vistoria de narcóticos dos seguranças, mas o Wallace disse que não conhecia nenhum dealer e a mãe sempre lhe dissera para nunca aceitar nada de estranhos, o que, por correlação, permitia inferir que Wallace nunca tivera acesso a drogas, sendo assim desnecessária qualquer revista. O segurança agradeceu a informação e deixou passar o grupo todo ileso. Mal entrámos, o Wallace pegou num megafone e começou a gritar: «Erva, pastilhas, cocaína, e coisas piores. Há tudo, incluindo veneno de ratos. De que estás à espera, jovem endrominado? Oferta de um vale de 5 euros para o futuro em compras iguais ou superiores a 50 paus. Aproveita já». Fechou alguns negócios e ficámos a curtir um bocado a música e a ver a paisagem de modelos femininas.  

A situação descambou a partir do momento em que nos encaminhamos até ao balcão das bebidas e eu acabei por trocar involuntariamente o meu copo com o de um sujeito mexicano interessado no stock do Wallace. Partilhei com o pessoal a bebida e, sem ninguém suspeitar, acabámos todos a ingerir uma tequila patrocinada por Albert Hofmann. Dez minutos foi quanto bastou para o Chico ficar sem cuecas e desatar a bater no peito com o vigor de um touro, enquanto vocalmente imitava o timbre de um gorila que, segundo ele, era suposto ser Frank Sinatra. Mas os efeitos do LSD só se denunciaram assim que nos apercebemos que cada um de nós era um Power Ranger. Para comemorar, fizemos em conjunto a coreografia do haka da seleção de râguebi neozelandesa, mas depois o Scooter insistiu que a cor dele era o laranja, apesar de não existir nenhum Power Ranger dessa cor, tendo sido impossível demovê-lo daquela ideia absurda. Alinhámos na cena, mas o ambiente ficou desnecessariamente embaraçoso e humilhante a partir daí. Ainda fomos a tempo de salvar o universo de meia dúzia de Transformers maquiavélicos da altura do Burj Khalifa antes dos seguranças nos escorraçarem para fora do recinto. Agradeceram exuberantemente o nosso heroísmo, apesar de eu não ter ouvido; era uma convicção minha, só. Pontapearam-nos a todos dali para fora, exceto ao Wallace, com quem quiseram falar em privado. Ele explicou-nos mais tarde: os seguranças admiraram a personalidade dele na entrada, estiveram a trocar contas de facebook, e pediram-lhe desculpas pelo inconveniente, mas que havia uma festa melhor na esquadra para a qual estávamos convidados. Então, agora estamos todos aqui. O inspetor que nos recebeu foi buscar bebidas; estamos à espera. Entretanto, vamos respondendo a umas perguntas sem perceber porque é que teimam tanto em perguntar se temos a certeza de o querer fazer sem a presença de um advogado.

520f370b00c4fa8e9680ba574dbaf234
Tanto quanto me recordo, foi assim que eu cheguei a Matosinhos. 

Ah, a viagem até aqui foi porreira. Viemos no banco de trás do unicórnio da polícia, um novo modelo com alta tração, só para forças da autoridade. Sem querer ser chibo, mas acho que o inspetor a caminho daqui passou o azul num semáforo; disse-lhe que podia estar tranquilo, não íamos contar a ninguém. Agora estou sentado numa cela a ver as horas passar. É um espaço bonito, com boa vista para o arco-íris na outra parede. As minhas mãos estão atadas por algas a arder, estranho. De repente, um flash causou-me uma espécie de faísca no cérebro e recuperei uma ténue percentagem de consciência. Alguma coisa não batia certo. Lembro-me de ter pensado anteriormente que já era tarde demais para voltar atrás, mas não consigo precisar muito bem quando foi isso.

Ricardo Marques

Os suspeitos do costume

Estão prontos? Apertem bem o cinto, vou servir uma viagem de montanha-russa. Eis um breve resumo, muito condensado, do que foram os últimos dias no Brasil: Lula foi indiciado suspeito de corrupção no escândalo Lava-Jato, Dilma impediu antecipadamente que ele fosse parar à cadeia nomeando-o ministro da Casa Civil, Lula tomou então posse como ministro, depois foi suspenso por um juiz, voltou a ser empossado, foi novamente suspenso por um juiz, Dilma quis livrar-se de outro juiz, juiz esse que divulgou escutas entre Lula e Dilma, e de Lula com o seu advogado, as ruas acolheram e ainda acolhem manifestações contra tudo e a favor de todos, vai avançar o processo de «impeachment» cujo desfecho pode resultar na destituição da Presidente e…. Ehhh… De repente, tive um ataque asmático. Tenho de fazer uma pausa… Ehhh… Para tomar fôlego, se faz favor.    

Podemos prosseguir, obrigado. Este é o retrato atual do Brasil, um país dividido, turbulento e desorientado. É a república das bananas no seu esplendor. Na última semana, a situação deu mais voltas e reviravoltas do que os carroceis da Feira de Março. Estagnou-se numa indefinição, já que a salgalhada que para ali vai é enorme. Nem a mais criativa das novelas mexicanas desencantava um argumento destes. E se queres perceber o Brasil, não consegues. Ficas a olhar para o país como olhas para o quadro do Pictionary quando estás a jogar com um amigo:

tumblr_nk3gat94ya1qhub34o1_500
Amigo idiota a rir-se no Pictionary.

– Puto, isso são as Pirâmides do Egito.

– Errado.

– A sério? Estava capaz de elogiar o teu desenho, está igualzinho. Só pode ser o Evereste, então.

– Não.

– Machu Picchu?

– Também não. 

– Vai para o caralho. Desisto. É o quê?

– Um triciclo.

are-you-serious-wtf-meme-baby-face

Ser político no Brasil é sinónimo de ser corrupto, não há ninguém que se safe, não há ninguém íntegro da cabeça aos pés. A corrupção está para o Brasil como o Fernando Mendes para o Preço Certo. Um sem o outro, não funciona. Ter estalado agora o verniz permitiu chegar ao seguinte cúmulo: é mais difícil encontrar um político honesto ali do que uma agulha num palheiro do tamanho da China. 

Chamavam a Lula da Silva o «defensor dos pobres», apenas para descobrirem que, afinal, roubava tanto ou mais do que os outros; escondia era melhor. Dilma Rousseff enfrenta hoje um processo de «impeachment» que a pode afastar do cargo de Presidente da República. Mas até à destituição o caminho é longo. Uma das etapas consiste no juízo de uma comissão de parlamentares, que terá de dar seguimento ao processo ou então rejeitá-lo. Curiosa é a composição desse painel de juízes: em 65 indivíduos, 37 estão a ser investigados no mesmo escândalo de Lula da Silva (e o número sobe se contarmos aqueles que receberam dinheiro de empresas que também estão na mira da justiça). Ou seja, a cabeça de Dilma está dependente de pessoas que, muito provavelmente, fizeram tanto ou pior do que ela. A ironia da ocorrência é doce. Imaginem uma pessoa que atropelou um caniche ser levada a julgamento perante Hitler, Mussolini e Bin Laden. Era giro.

É de espantar que no Brasil a poluição da classe política atinja latitudes tão exageradas. Dos suspeitos e acusados aos delatores, há uma ausência de moralidade bastante grosseira. Mas não é só aí que se dão episódios desta natureza. Estávamos em dezembro de 2015, quando a TV7 dias fez capa com Carlos Cruz. Na revista podia ler-se que o ex-apresentador estaria «chocado» com o comportamento da filha, Marta Cruz, na Quinta, um reality-show da TVI. A desilusão do senhor radicava na filha estar a manchar o bom nome da família, envolvendo-se num relacionamento qualquer. Pobre, cândido e sensível Carlos Cruz. O que te fizeram, e com que direito? Um indivíduo que se atirava a crianças diz-se escandalizado por a filha se atirar a rapazes com mais de 18 anos. Vai um homem parar à cadeia para subir a cotação da família, que a esta hora, depois de tantos anos, estava já com a popularidade ali taco-a-taco com a família real espanhola, e tinha de vir a pirralha estragar tudo.

wgwhwh

No Génesis, há uma altura em que Deus, condescendendo perante os pedidos de Abraão, lhe diz que não destruirá a cidade de Sodoma desde que haja pelo menos um justo na cidade. Aplicando a passagem ao Brasil, a esta hora provavelmente já estava tudo em ruínas. Na família de Carlos Cruz, bastaria haver alguém com noções antes de abrir a boca, mas quer-me parecer que nem isso seria suficiente para impedir uma desgraça.   

Ricardo Marques

Memórias de um ex-caloiro aveirense

Antes de entrar na Universidade Lusófona do Porto, estudei durante três anos na Universidade de Aveiro, como muita gente sabe. Foram três anos dos quais não me lembro de quase nada, porque nunca soube o que andava lá a fazer e ainda hoje, francamente, desconheço. Com algum esforço, recordo-me do curso: Biologia e Geologia.

Nesses três anos, fiz tantas cadeiras como o número de álbuns lançado pelos Beatles no século XXI. Quer dizer, fiz mais um bocadinho, mas a diferença é residual. Questionam-se: «E porque demoraste tu, seu bípede ignóbil, tanto tempo a mudar de área»? Desde cedo andava desconfiado de que aquilo não era o mais indicado para mim, admito. Os meus testes eram vistos como arte rupestre, a julgar pelas notas. Isso deixava-me triste. Mas fui aguentando, a ver no que dava. Algumas matérias não eram propriamente difíceis. E os Power Points chegavam a ser pedagogicamente espirituosos. Aliás, foi num slide sobre bioquímica que descobri que as plantas gastavam mais energia a fazer a fotossíntese do que eu próprio a estudar para fazer cadeiras. A partir daí, a dúvida acentuou-se, embora tenha optado novamente por prolongar a situação. Não quis tirar conclusões precipitadas. Tanto quanto sabia, eu apenas podia ser fraco de metabolismo.

A certeza só haveria de chegar na sequência de um incidente crítico, a meio de uma aula de mineralogia. Esse incidente teve como epicentro a professora. Convém dizer que ela, já de si, era um caso de estudo muito sério. Dizer que parecia um mitra pode soar ofensivo, mas é na verdade um elogio. Tentei suavizar. Se quiserem ter uma ideia aproximada da sua figura, recomendo o seguinte exercício: peçam ao cérebro para invocar a imagem do puto que fazia o «Sozinho em Casa», depois de se ter metido nas drogas. Sim, esse mesmo, todo chupado. Pronto, era a docente.

Macaulay Culkin (ator de «Sozinho em Casa») cada vez mais jovem, saudável e bonito.
Macaulay Culkin (ator de «Sozinho em Casa») cada vez mais jovem, saudável e bonito.

Como é natural, uma das coisas que se fazia nas aulas de mineralogia era a identificação de minerais – que dá uma adrenalina mesmo grande. (Há um fenómeno particular relacionado com a atividade de pegar numa pedra e descobrir qual é. Enquanto a executa, uma pessoa percorre todo o espectro do prazer, atinge um limite orgásmico e, sem ser possível sentir mais felicidade, chega ao lado contrário das sensações, qual volta de 180 graus, com uma vontade descomunal de adormecer, tão lânguida é a sonolência). Basta uma pessoa experimentar uma vez que não deseja outro soporífero. Recomendo-a a quem sofre de insónias; é a forma feliz de resolver o problema. Quem estiver a dar os primeiros passos na paternidade, à hora de deitar, coloque o seu bebé a identificar minerais e esqueça as canções de embalar. Nem precisa de ser um mineral a sério, pode ser um pedaço de asfalto achado na rua, o bebé não vai notar. Em vez da canção, brinde o seu filho com outras coisas: vá a Rans e traga uma pedra calcetada pelo Vitorino Silva para ser examinada. Ou tente fazer com que a primeira palavra dita pelo bebé seja «feldspato» em vez de «mamã». As possibilidades são infinitas, seja criativo. A criança será única em todo o mundo.

Materazzi simula agressãp e leva amarelo. O futebol não é isto, levante-se.
Materazzi simula agressão e leva amarelo. O futebol não é isto, levante-se.

Nas minhas aulas, funcionava do seguinte modo: os minerais estavam dispostos em cima das mesas e cada aluno ia pegando neles sucessivamente, procedendo ao seu reconhecimento. Há várias técnicas que facilitavam a tarefa, como a Escala de Mohs, uma lista que organiza as espécies consoante o seu grau de dureza. Assim, sempre que a dureza era o fator  decisivo para identificar um mineral, sabíamos por exemplo que o corindo era mais duro que o topázio, que o diamante era mais duro que o corindo, e tudo o que fosse mais duro que o diamante eram pedacinhos do crânio do Zidane extraídos do peito do Materazzi, a seguir à final do Mundial de 2006. É importante elogiar aqui o trabalho da universidade, pela férrea determinação na diligência que empregou em conseguir estas últimas amostras, a bem do superior interesse dos alunos.

Amostra de sal-gema lambida por um traficante de metadona depois de um after no Lótus.
Amostra de sal-gema lambida por um traficante de metadona depois de um after no Lótus.

Havia, no entanto, uma maneira muito particular de identificar o sal-gema. Uma técnica rara, infalível e exclusiva desse mineral. Quando a descobri, tive um enorme acesso de pânico e foi então que resolvi debandar. O mitra partilhou connosco a técnica. Pegou no sal-gema e, de rompante, espetou-lhe uma lambidela: «Se lamberem o sal-gema, verificam como é salgado e é assim que o reconhecem», proferiu. Isto é verídico. Tinha estudos, o mitra; dominava o assunto. Quanto a mim, assisti perplexo e embasbacado àquela cena. Passaram-me várias coisas pela cabeça numa fração de segundo. Que pagava mais de mil euros em propinas para assistir a uma obscenidade daquelas. Que nunca mais ia conseguir dormir tranquilo à noite sem um candeeiro ligado. Que estava na presença do anticristo. Por último, que tinha de ir com a máxima urgência à secretaria, a fim de cancelar a matrícula antes do sal-gema me ir parar às mãos com o fito de ser identificado.

E assim fiz. Hoje, três anos depois, as coisas correm melhor a estudar o ramo de jornalismo de Ciências da Comunicação, embora eu continue a ser assombrado por alguns fantasmas. O meu passado aveirense persegue-me. Não há aula em que não imagine os professores a pegar no Correio da Manhã e a dizerem que é possível distingui-lo dos outros jornais através do seu característico sabor a sangue, provando-o com uma lambidela. São visões perturbadoras, mas vou sobrevivendo, um dia de cada vez. À noite é que é o pior.

Ricardo Marques

Em nome do cartaz, de Jesus e do Bloco de Esquerda

Há sensivelmente uma semana, o Bloco de Esquerda usou o menino Jesus num cartaz que celebrava a adoção por casais homossexuais. Respeito a polémica que se gerou, mas hão de concordar que já fizeram coisas bem piores a Jesus. Os romanos, por exemplo, se o tivessem pregado só a um cartaz, talvez ele hoje se mantivesse entre nós, a tocar numa banda, a fazer milagres ou, mais difícil, a fazer do Sporting campeão. Mas não; os romanos chicotearam-no, meteram-lhe uma coroa de espinhos e obrigaram-no a carregar uma cruz – acho que depois chegaram mesmo a crucificá-lo, mas aí não tenho a certeza. São um povo bruto, os romanos.

Sim, também sou da opinião de que Jesus Cristo foi uma escolha terrível para esta iniciativa. Numa campanha sobre igualdade de direitos, usar como mascote o único ser humano que sabia fazer milagres é de quem é aselha. O único indivíduo à face da terra que chegou a ter poderes sobrenaturais acaba por ser a bandeira pela igualdade entre os homens. Fixe. Na próxima escolham o Kim Jong-Un quando fizerem um cartaz sobre o 25 de Abril, é capaz de sair melhor.

Não sei quem é que o BE tem encarregue destas questões de marketing, ignorância que justifico por dois motivos: primeiro, porque não me interessa; segundo, porque nem o Bloco sabe ao certo. Depois das reações à imagem terem chegado, toda a gente do partido se desmarcou. Toda. De Catarina Martins, a Mariana Mortágua, a Francisco Louçã, vieram todos repudiar a incidência. Não sobrou ninguém para assumir a responsabilidade. Está bem, foi o Bloco. Mas quem? O Bloco? Quem é o estúpido que se chama Bloco? Há algum estúpido que se chama Bloco? Não há? Então quem foi? Foi algum sonâmbulo que fez o cartaz e não sabe? Foi alguém que caiu, bateu com a cabeça numa pedra e ficou amnésico? Céus, uma atitude destas nem parece habitual na política portuguesa, sempre pautada por valores morais tão límpidos e elevados.

No slogan do cartaz podia ler-se: “Jesus também tinha 2 pais”. A Santíssima Trindade foi chamada ao barulho, o que acaba por ser bom porque aqui há muito que se lhe diga. O Bloco ganhou protagonismo com o Espírito Santo, nas comissões parlamentares de inquérito, mas borrou a pintura com o Filho. Há de chegar a hora em que, como é normal, terá de vir o Pai meter tudo em pratos limpos. Afinal, os portugueses têm o direito de saber em que ficamos, qual é o lado para onde tende o Bloco. Haveremos de saber também com o que ficamos, para além da TAP e do Novo Banco, que não tenho a certeza de serem melhores do que umas vergastadas delinquentes infligidas por romanos, mas isso já serão contas para outro rosário.

Ricardo Marques