“Human”: uma ode à humanidade

Três anos, duas mil pessoas e 60 países. Yann Arthus-Bertrand colecionou relatos pessoais do mundo inteiro e agrupou-os num documentário de três horas que reflete a essência humana.


Amor, felicidade, raiva e todas as emoções que nos definem como humanos encontram-se neste documentário. O “Human” é rico em testemunhos verdadeiros do quotidiano de diferentes etnias. “Eu sonhei com um filme em que a força das palavras ampliasse a beleza do mundo”, afirma o realizador. Os depoimentos discorrem entre pessoas sem reconhecimento mediático e grandes personalidades. O carismático ex-presidente uruguaio, Pepe Mujica, a atriz americana, Cameron Diaz, e o famoso Bill Gates foram alvos da seleção de Arthus-Bertrand. No conjunto, o filme conta com 200 testemunhos de vida.

“Eu ponho um prego e ando com elas para todo o lado”

A dona Maria, uma cidadã comum brasileira, também não fugiu aos encantos da máquina de filmar. A vida nem sempre lhe ofereceu sorrisos, mas com sangue e suor conquistou o terreno onde reside. As chinelas, que faz questão de expor no vídeo, estão gastas. Mas comprar umas novas passa para segundo lugar quando o dinheiro é necessário para a alimentação. “Eu ponho um prego e ando com elas para todo o lado”, explica Maria sobre a solução que encontrou para dar continuidade aquelas chinelas. “A minha pobreza é esta, mas eu continuo. Não tenho ambição por nada de ninguém”, conta-nos a mulher que já viveu num acampamento de plástico. Hoje, frequenta a escola todas as noites. Confessa que já sabe ler o alfabeto, mas nem sempre foi assim: “Eu não sabia o que era um A”. Apesar das dificuldades que enfrentou ao longo da vida, Maria demonstra-se sorridente e grata por tudo o que conquistou.

O chocolate

A história de Francine não passou despercebida nas redes sociais. Era ainda uma criança quando se viu forçada a ir para um campo de concentração, juntamente com a mãe. Como filha de prisioneiros da guerra, Francine tinha o privilégio de levar algumas coisas para o exílio. “Um saco com duas ou três coisas”, conta-nos. Chocolate. Dois pedaços de chocolate. “Guardarei estes pedaços para o dia em que precisares verdadeiramente deles”, afirmou a mãe que acreditava que o chocolate iria fazer a criança sentir-se melhor num momento de aflição. Francine concordou. Uma das mulheres do campo de concentração estava grávida. “Ela era tão magra”, revela a mulher que outrora era apenas uma criança perdida nos casulos dos nazis. O dia chegou: o bebe que a mulher trazia no ventre queria conhecer o mundo. Francine recorda-se que antes da grávida partir, a mãe fez referência aos pedaços de chocolate que havia guardado. “Se me permitires, darei o chocolate a esta mulher”, disse-lhe, explicando que o parto seria complicado e aquele pequeno prazer poderia ajudar. O bebe nasceu, a mulher não morreu e o chocolate ajudou. Anos depois da libertação dos campos, Francine organizou uma conferência. A determinado momento, uma mulher destaca-se da plateia e afirma que guardava algo para entregar à conferencista. Chocolate. Um pedaço de chocolate. “Eu sou o bebe”, afirmou a mulher que entregou o que guardava para Francine.

Para além das diferenças, somos todos iguais 

Entre a história de Maria e Francine existe um mar de depoimentos que Arthus-Bertrand fez questão de mostrar ao mundo. As entrevistas estão intercaladas com imagens sublimes do planeta Terra. “Human” é um cântico silencioso à humanidade. O filme revela as diferentes visões culturais, sociais e económicas, por entre as palavras, lágrimas e sorrisos que os entrevistados deixaram escapar. É difícil encaixar a essência humana num documentário. Mas mais difícil é perceber que para além das diferenças observáveis, somos todos iguais. Os sorrisos pertencem-nos, bem como as lágrimas. Para além das rugas e das cicatrizes, todos temos uma alma. O mundo não é apenas a rua onde vivemos ou trabalhamos. Existem mais ruas. Umas de terra, outras de alcatrão. Aquelas ingremes e outras mais planas. Existem mais ruas e, apesar de todas as diferenças, todas elas fazem parte do nosso planeta. E existem mais pessoas, – acreditem ou não – todas elas são seres humanos dignos de respeito.

Nádia Santos

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