Os suspeitos do costume

Estão prontos? Apertem bem o cinto, vou servir uma viagem de montanha-russa. Eis um breve resumo, muito condensado, do que foram os últimos dias no Brasil: Lula foi indiciado suspeito de corrupção no escândalo Lava-Jato, Dilma impediu antecipadamente que ele fosse parar à cadeia nomeando-o ministro da Casa Civil, Lula tomou então posse como ministro, depois foi suspenso por um juiz, voltou a ser empossado, foi novamente suspenso por um juiz, Dilma quis livrar-se de outro juiz, juiz esse que divulgou escutas entre Lula e Dilma, e de Lula com o seu advogado, as ruas acolheram e ainda acolhem manifestações contra tudo e a favor de todos, vai avançar o processo de «impeachment» cujo desfecho pode resultar na destituição da Presidente e…. Ehhh… De repente, tive um ataque asmático. Tenho de fazer uma pausa… Ehhh… Para tomar fôlego, se faz favor.    

Podemos prosseguir, obrigado. Este é o retrato atual do Brasil, um país dividido, turbulento e desorientado. É a república das bananas no seu esplendor. Na última semana, a situação deu mais voltas e reviravoltas do que os carroceis da Feira de Março. Estagnou-se numa indefinição, já que a salgalhada que para ali vai é enorme. Nem a mais criativa das novelas mexicanas desencantava um argumento destes. E se queres perceber o Brasil, não consegues. Ficas a olhar para o país como olhas para o quadro do Pictionary quando estás a jogar com um amigo:

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Amigo idiota a rir-se no Pictionary.

– Puto, isso são as Pirâmides do Egito.

– Errado.

– A sério? Estava capaz de elogiar o teu desenho, está igualzinho. Só pode ser o Evereste, então.

– Não.

– Machu Picchu?

– Também não. 

– Vai para o caralho. Desisto. É o quê?

– Um triciclo.

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Ser político no Brasil é sinónimo de ser corrupto, não há ninguém que se safe, não há ninguém íntegro da cabeça aos pés. A corrupção está para o Brasil como o Fernando Mendes para o Preço Certo. Um sem o outro, não funciona. Ter estalado agora o verniz permitiu chegar ao seguinte cúmulo: é mais difícil encontrar um político honesto ali do que uma agulha num palheiro do tamanho da China. 

Chamavam a Lula da Silva o «defensor dos pobres», apenas para descobrirem que, afinal, roubava tanto ou mais do que os outros; escondia era melhor. Dilma Rousseff enfrenta hoje um processo de «impeachment» que a pode afastar do cargo de Presidente da República. Mas até à destituição o caminho é longo. Uma das etapas consiste no juízo de uma comissão de parlamentares, que terá de dar seguimento ao processo ou então rejeitá-lo. Curiosa é a composição desse painel de juízes: em 65 indivíduos, 37 estão a ser investigados no mesmo escândalo de Lula da Silva (e o número sobe se contarmos aqueles que receberam dinheiro de empresas que também estão na mira da justiça). Ou seja, a cabeça de Dilma está dependente de pessoas que, muito provavelmente, fizeram tanto ou pior do que ela. A ironia da ocorrência é doce. Imaginem uma pessoa que atropelou um caniche ser levada a julgamento perante Hitler, Mussolini e Bin Laden. Era giro.

É de espantar que no Brasil a poluição da classe política atinja latitudes tão exageradas. Dos suspeitos e acusados aos delatores, há uma ausência de moralidade bastante grosseira. Mas não é só aí que se dão episódios desta natureza. Estávamos em dezembro de 2015, quando a TV7 dias fez capa com Carlos Cruz. Na revista podia ler-se que o ex-apresentador estaria «chocado» com o comportamento da filha, Marta Cruz, na Quinta, um reality-show da TVI. A desilusão do senhor radicava na filha estar a manchar o bom nome da família, envolvendo-se num relacionamento qualquer. Pobre, cândido e sensível Carlos Cruz. O que te fizeram, e com que direito? Um indivíduo que se atirava a crianças diz-se escandalizado por a filha se atirar a rapazes com mais de 18 anos. Vai um homem parar à cadeia para subir a cotação da família, que a esta hora, depois de tantos anos, estava já com a popularidade ali taco-a-taco com a família real espanhola, e tinha de vir a pirralha estragar tudo.

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No Génesis, há uma altura em que Deus, condescendendo perante os pedidos de Abraão, lhe diz que não destruirá a cidade de Sodoma desde que haja pelo menos um justo na cidade. Aplicando a passagem ao Brasil, a esta hora provavelmente já estava tudo em ruínas. Na família de Carlos Cruz, bastaria haver alguém com noções antes de abrir a boca, mas quer-me parecer que nem isso seria suficiente para impedir uma desgraça.   

Ricardo Marques

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