Em nome do cartaz, de Jesus e do Bloco de Esquerda

Há sensivelmente uma semana, o Bloco de Esquerda usou o menino Jesus num cartaz que celebrava a adoção por casais homossexuais. Respeito a polémica que se gerou, mas hão de concordar que já fizeram coisas bem piores a Jesus. Os romanos, por exemplo, se o tivessem pregado só a um cartaz, talvez ele hoje se mantivesse entre nós, a tocar numa banda, a fazer milagres ou, mais difícil, a fazer do Sporting campeão. Mas não; os romanos chicotearam-no, meteram-lhe uma coroa de espinhos e obrigaram-no a carregar uma cruz – acho que depois chegaram mesmo a crucificá-lo, mas aí não tenho a certeza. São um povo bruto, os romanos.

Sim, também sou da opinião de que Jesus Cristo foi uma escolha terrível para esta iniciativa. Numa campanha sobre igualdade de direitos, usar como mascote o único ser humano que sabia fazer milagres é de quem é aselha. O único indivíduo à face da terra que chegou a ter poderes sobrenaturais acaba por ser a bandeira pela igualdade entre os homens. Fixe. Na próxima escolham o Kim Jong-Un quando fizerem um cartaz sobre o 25 de Abril, é capaz de sair melhor.

Não sei quem é que o BE tem encarregue destas questões de marketing, ignorância que justifico por dois motivos: primeiro, porque não me interessa; segundo, porque nem o Bloco sabe ao certo. Depois das reações à imagem terem chegado, toda a gente do partido se desmarcou. Toda. De Catarina Martins, a Mariana Mortágua, a Francisco Louçã, vieram todos repudiar a incidência. Não sobrou ninguém para assumir a responsabilidade. Está bem, foi o Bloco. Mas quem? O Bloco? Quem é o estúpido que se chama Bloco? Há algum estúpido que se chama Bloco? Não há? Então quem foi? Foi algum sonâmbulo que fez o cartaz e não sabe? Foi alguém que caiu, bateu com a cabeça numa pedra e ficou amnésico? Céus, uma atitude destas nem parece habitual na política portuguesa, sempre pautada por valores morais tão límpidos e elevados.

No slogan do cartaz podia ler-se: “Jesus também tinha 2 pais”. A Santíssima Trindade foi chamada ao barulho, o que acaba por ser bom porque aqui há muito que se lhe diga. O Bloco ganhou protagonismo com o Espírito Santo, nas comissões parlamentares de inquérito, mas borrou a pintura com o Filho. Há de chegar a hora em que, como é normal, terá de vir o Pai meter tudo em pratos limpos. Afinal, os portugueses têm o direito de saber em que ficamos, qual é o lado para onde tende o Bloco. Haveremos de saber também com o que ficamos, para além da TAP e do Novo Banco, que não tenho a certeza de serem melhores do que umas vergastadas delinquentes infligidas por romanos, mas isso já serão contas para outro rosário.

Ricardo Marques